28 de setembro: Mulheres Negras em Marcha pela Justiça Reprodutiva

Por Pery Camilo/Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba

A justiça reprodutiva surgiu do ativismo de mulheres negras nos Estados Unidos, mas ganhou força no Brasil ao insistir no fato de que não há como falar sobre direitos reprodutivos, sem levar em consideração as desigualdades que as mulheres negras, periféricas, indígenas e quilombolas enfrentam. Não se trata apenas de ter acesso a serviços de saúde, mas de garantir condições dignas de vida, de decidir se querem ou não gerar vidas, e em que circunstâncias.A pesquisadora Emanuelle Goes destaca que a interseccionalidade, um termo cunhado no contexto do feminismo negro, visa explicar como o racismo e o sexismo, quando entrelaçados, criam impactos particulares na saúde e na vida das mulheres negras. Estas não são opressões individuais, mas sim se intersectam e se acumulam, explica ela, e é necessária uma análise que leve em conta outras formas de desigualdade. Ela descreve que justiça reprodutiva é um conceito político e prático que vai além da saúde reprodutiva.

“Trata-se de reconhecer que, para as mulheres negras, decidir sobre seus corpos está diretamente ligado à luta contra o racismo, a pobreza e a violência de gênero.”

O fato é que as mulheres negras têm estado na linha de frente da luta para que a justiça reprodutiva seja uma realidade no Brasil. Isso inclui mobilizações contra legislações restritivas, pela descriminalização e legalização do aborto seguro e pela expansão dos serviços públicos de saúde que respeitem os direitos das mulheres. 

Apesar dos poucos avanços, o caminho ainda é marcado por desafios. Entre eles, a ausência de políticas públicas universais e de boa qualidade, a violência obstétrica, o racismo institucional ou a criminalização das mulheres que fazem abortos sem segurança adequada, entre outros. Essas barreiras revelam as maneiras pelas quais a justiça reprodutiva está diretamente ligada às condições sociais e de sobrevivência das mulheres negras, como observa a pesquisadora:

“O racismo institucional se manifesta de forma cruel na saúde sexual e reprodutiva: mulheres negras, mesmo sendo as que mais sofrem violência sexual, são as que menos acessam o aborto legal, enfrentando desigualdades, violências nos serviços de saúde e maior risco de morte materna ou aborto inseguro”.

Apesar das barreiras, a luta tem produzido conquistas importantes. Emanuelle Goes reconhece a força dos movimentos de mulheres negras, o desenvolvimento de redes de apoio e solidariedade, a difusão da conversa pública sobre aborto e saúde sexual e reprodutiva, e o reconhecimento de que a questão deve fazer parte das agendas feministas e de direitos humanos. 

O que esperar para o futuro?

Mudanças estruturais são fundamentais: desde a nossa própria estrutura, para garantir que o Sistema Único de Saúde (SUS) seja fortalecido e o aborto seja descriminalizado; que as políticas sejam elaboradas com as experiências das mulheres negras, e que os direitos saiam do papel.

“A insegurança alimentar, por exemplo, afeta mais as mulheres negras, tornando-as vulneráveis a violências sexuais e reprodutivas. Meninas na escola têm menos evasão escolar e menor chance de gravidez na adolescência, podendo fazer escolhas melhores. É importante entender o significado das políticas sociais para os direitos reprodutivos e cobrar isso do Estado. Justiça reprodutiva não é intercâmbio de direitos, mas uma estratégia a ser cobrada do Estado. 

Para ela, a justiça reprodutiva só será alcançada quando todas as mulheres  puderem viver com dignidade, autonomia e liberdade para decidir sobre seus corpos e suas vidas.

“A justiça reprodutiva é uma estratégia criada pelos movimentos de mulheres negras e feministas para cobrar que direitos sexuais e reprodutivos só sejam garantidos junto com justiça social e direitos básicos, como alimentação, educação e proteção contra violências”, enfatizou.

A justiça reprodutiva não deve ser uma pauta isolada, mas parte de uma luta maior por justiça social, racial e de gênero. Nesse dia 28 de setembro, lembramos que cada conquista é fruto da resistência de mulheres negras que se recusam a aceitar a desigualdade como destino. Enquanto houver desigualdade, estaremos em marcha. 

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