A luta coletiva das trabalhadoras domésticas por direitos e visibilidade

Apesar das leis que garantem teoricamente os direitos trabalhistas dessas mulheres, o cenário no Brasil, especialmente no Nordeste, permanece desolad

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, mostraram que  havia 5,8 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, durante o 4ª trimestre de 2022. 91,4% dessas pessoas são mulheres, sendo 67,3% negras. O estudo também mostrou que apenas 24,7% tinham carteira assinada e 35,3% contribuíram com a previdência social. Dentre as regiões brasileiras, o Nordeste é uma das que mais apresentam cenários de desigualdade a estas trabalhadoras. 

De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2020, o Nordeste figurava como a região brasileira com o menor rendimento médio mensal (R$589,00) referente ao trabalho doméstico. Atrás do Norte, com R$707,00; Centro-Oeste, R$964,00; Sudeste, R$973,00; e Sul, R$1.063,00. Realidades que revelam o retrato de um Brasil ainda amalgamado à herança colonial, como explica a advogada Sueli Veloso.

“A atividade doméstica é desvalorizada como trabalho pela sociedade, porque historicamente foram exercidas por mulheres negras evidenciando a existência das desigualdades de gênero, raça e classe social”, explica Sueli, que trabalha há 30 anos defendendo os direitos das trabalhadoras domésticas na Bahia. 

Apesar das desigualdades, o Nordeste é historicamente território de luta e resistência desta categoria, que desde a década de 70 se organiza formalmente na busca por garantias de direitos trabalhistas, com o surgimento da primeira Associação das Trabalhadoras Domésticas do Recife, encabeçada por Lenira Carvalho, em 1979. “Ela foi pioneira na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas. Ela dizia que era uma revoltada, porque não aceitava  o fato de outros trabalhadores terem direitos e as trabalhadoras domésticas não”, relembra a coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista.

A Fenatrad é uma associação formada por 22 sindicatos e mais uma associação, dentre eles seis são do Nordeste: Bahia, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe.  A Federação surge em 1997 e bebe na fonte da coragem e luta de mulheres nordestinas como Lenira, e permanece fortalecendo espaços de resistência onde as trabalhadoras domésticas encontram apoio e encorajamento coletivo. “A Fenatrad é essencial, porque a nossa luta se organizou para formar uma pauta e reivindicar direitos para um trabalho que é de extrema importância para a sociedade”, comenta Luiza Batista, que reconhece a relevância dos direitos conquistados pela classe até aqui, mas diz que ainda são necessárias medidas que os efetivem.  

Direitos

Promulgada em 2013, a  Emenda Constitucional 72, que ficou conhecida como PEC das Domésticas, buscou assegurar igualdade dos direitos trabalhistas entre trabalhadoras domésticas e demais ocupações. Em 2015, novas alterações na PEC buscaram ampliar as melhorias, como a obrigatoriedade de recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). 

Além disso, o Brasil também ratificou, em 2018, “a Convenção sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos n. 189 da OIT (2011)”, como afirma a Nota Informativa nº 2/2023, do governo federal. Mas, na prática, os obstáculos permanecem, como apontam dados de pesquisas feitas corriqueiramente, como a Pnad Contínua. “É uma relação ainda precarizada, minada por atos de violência, por humilhação, por assédios de todas as formas: moral, sexual. Ainda existem trabalhadoras domésticas que vivem em situação de trabalho análogo à escravidão”, destaca Cleusa Silva, integrante da Casa Laudelina de Campos Mello e coordenadora nacional da AMNB – Articulação de Mulheres Negras Brasileiras. 

Dados de um levantamento feito pelo Brasil de Fato, a partir de dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), de 2017 a 2023, 101 trabalhadores domésticos foram resgatados em condições análogas à escravidão no Brasil.

“Então, em um meio onde poucas trabalhadoras têm suas carteiras assinadas,  é extremamente fundamental cobrar esse e todos os outros direitos que garantam a integridade dessas mulheres”, completa Cleusa, que também menciona como um outro direito fundamental o acesso à casa própria. 

“Estamos retomando o diálogo sobre a pauta da moradia  junto com as trabalhadoras domésticas, com a Fenatrad, precisamos ir para cima do governo para que tenha uma política pública no âmbito da moradia voltada para essa categoria”, explica Cleusa. Dados da Fundação João Pinheiro (FIP) de 2021, mostraram que 60% das moradias precárias no Brasil são ocupadas por mulheres, elas, em sua maioria, negras.

“A jornada é longa, mas a questão da moradia tem que ser pauta que caminha junto com outras, como registro em carteira e demais direitos trabalhistas.  Que elas possam viver com saúde, com tranquilidade, e que possibilite também elas se cuidarem”, finaliza Cleusa. 

Posicionamento também partilhado pela advogada Sueli, que menciona que neste 27 de abril, Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica, é preciso reforçar uma luta que é feita o ano inteiro. “Esse tempo simboliza o momento de  repensar o trabalho doméstico, os avanços e as dificuldades para a ampliação e regulamentação dos direitos da categoria. Com dignidade e respeito os sindicatos saberão guerrear até se fazer cumprir, se a lei não for cumprida”, finaliza.

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