“Racismo estrutural” e “Antirracismo” são alguns dos termos apropriados, esvaziados e transformados em ferramenta de marketing, enquanto o compromisso real com a vida do povo tá falta no mercado
Hoje é dia da Consciência Negra, e por aí tem muita gente te dando parabéns pelo seu antirracismo! Você que tirou ele do armário em mais um 20 de novembro, deu uma sacudida, tirou um pouco da poeira e saiu por aí desfilando sua indignação, mas que não consegue reconhecer os seus privilégios como pessoa branca, além de sempre reforçar que na verdade somos todos iguais, afinal estamos falando de um país miscigenado e feliz, como eternizou Gilberto Freyre.
É tempo de pintar muros com rostos negros, convidar pessoas negras para palestras (ainda sem cachê), postar fotos de Zumbi dos Palmares e Dandara, e lembrar que o racismo pega mal, né?! Mas só por um dia, afinal, amanhã voltamos à programação normal: pessoas negras vítimas de todas as dores e violências possíveis desigualdades estruturais, exclusão e aquele racismo disfarçado de ‘brincadeira’. Porque, enquanto muitos guardam o antirracismo junto com os enfeites de natal, nós, mulheres negras do Nordeste, e toda a população negra brasileira, seguimos na resistência o ano todo, para fazer valer a nossa Consciência Negra. Ao contrário do calendário, o racismo não tira folga.
E é espantoso como tem gente que ainda não vê necessidade desta data, afinal, somos todos humanos, certo? Pelo menos, é o que dizem. Mas será que todas as pessoas têm os mesmos direitos? Pois, se pegarmos alguns dados, podemos ver que não.
Vamos lá, uma breve lista de checagem:
O Atlas da Violência 2024 revela que, em 2022, 46.409 pessoas foram assassinadas no Brasil. Desse total, 76,5% eram pessoas negras. Já a Rede de Observatórios da Segurança mostra que, em 2023, 4.025 pessoas foram mortas por policiais no Brasil. Dos casos onde se sabia a cor, 87,8% eram pessoas negras.
No sistema carcerário, os números também não mentem: 69,1% das pessoas encarceradas no Brasil em 2023 eram negras, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. E para as mulheres negras, a realidade é ainda mais cruel. Elas lideram as estatísticas de desemprego, informalidade e violência. As mulheres negras representam a maior parte das vítimas de homicídios femininos fora de casa e têm a maior porcentagem entre aqueles que vivem em situação de pobreza.
Mas, calma, você ainda acha que somos todos iguais? Vamos falar de insegurança alimentar. De acordo com o relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades, pelo menos 12,5% das mulheres negras no Brasil estão em situação de insegurança alimentar grave, o que é quase o dobro quando comparado a mulheres não negras. Entre os homens, a disparidade é similar: 12,3% dos negros em situação de insegurança alimentar versus 5,5% dos não negros.
No mercado de trabalho, o rendimento médio mensal da mulher negra é de apenas 42% do que ganha um homem não negro, segundo levantamento da Agência IBGE Notícias. Elas estão mais desempregadas (11,5%) e têm maior taxa de informalidade (45,4%) em comparação aos homens brancos (30,7%). Em termos de educação, só 14,7% das mulheres negras completam o ensino superior, enquanto entre as brancas esse número é de 29%.
Na política, a representatividade continua baixa. Apesar do aumento, as mulheres ocupavam apenas 17,9% das cadeiras da Câmara Federal em 2023. Em um ranking global de representatividade, o Brasil ocupa a 133ª posição, atrás de países como Bolívia, México e Argentina. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições municipais de 2024, das quase 80 mil mulheres negras candidatas, somente 10,9% foram eleitas. Ou seja, somos o país do “futuro” para quem mesmo?
Então, quando alguém questionar esta data, lembre-se: para nós, população negra, o Dia da Consciência Negra é mais do que uma data no calendário. É um momento de reafirmar nossas histórias, celebrar nossa resistência e fortalecer a luta diária contra o racismo que insiste em nos silenciar… É dia de lembrar que o racismo, o patriarcado e a necropolítica seguem vivos — ao contrário de tantas pessoas negras que perderam a vida devido a essa realidade histórica de opressão.
A Consciência Negra é um dia para lembrar… que há muita dívida e que ela está aumentando dia a dia, enquanto nos afeta. É também um momento para denunciar como o termo “antirracismo” tem sido esvaziado e transformado em ferramenta de marketing ou performance vazia, enquanto falta coragem e compromisso para o enfrentamento ao racismo. Que o racismo não se resolve com postagens no Instagram, com um “textão” uma vez ao ano ou com a repostagem do vídeo de um ator negro famoso falando sobre “consciência humana”. Porque, enquanto muitos desfilam a seus discursos no dia 20 de novembro, nós, mulheres negras do Nordeste deste país, continuamos a lutar todos os dias para transformar esses números e essas realidades.