Nesta terça-feira (25), a Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver reuniu 300 mil mulheres negras de mais de 40 países em Brasília (DF), durante uma jornada histórica que ocupou a capital federal desde as primeiras horas do dia até a noite. A programação articulou incidência institucional, mobilização popular, espiritualidade, cultura e celebração da vida, constituindo um dos atos mais significativos já realizados por mulheres negras no Brasil.
O dia começou às 9h, com uma coletiva de imprensa com o Comitê Nacional, o Conselho Político e representantes dos Comitês Temáticos (LBTIs, Mulheres Negras com Deficiência, Justiça Climática, entre outros), que apresentaram a agenda política e os eixos que orientam a mobilização nacional. Em seguida, ocorreu a cerimônia oficial de abertura, marcada pela presença da Irmandade da Boa Morte e a leitura pública do manifesto político da Marcha.
“Nós estamos apresentando um conjunto de propostas para essa nação e queremos dizer que esse potencial de mobilização só existe porque nós somos as gestoras do impossível. Pedimos paz, pedimos equidade, pedimos respeito, respeito à dignidade das pessoas, respeito à dignidade das pessoas negras, em particular”, destacou Valdecir Nascimento, fundadora do Odara – Instituto da Mulher Negra, também compõe a coordenação da Rede de Mulheres Negras do Nordeste e o Comitê Impulsor Nacional da Marcha.
Enquanto a abertura acontecia, o Congresso Nacional sediava simultaneamente uma Sessão Solene em homenagem à Marcha das Mulheres Negras, no no Plenário Ulysses Guimarães. A sessão, presidida pela deputada federal Benedita da Silva, referência incontornável da luta antirracista no Brasil, também contou com as presenças da deputada Talíria Petrone, das ministras Margareth Menezes, Macaé Evaristo, Anielle Franco e Márcia Lopes.
No primeiro discurso, a deputada Talíria Petrone destacou a emoção de ocupar o plenário: “O povo brasileiro é a mulher negra. Como Benedita abriu caminho para mim, nós temos a obrigação de abrir caminho para outras. A agenda que o Brasil precisa – do Bem Viver e da dignidade – passa pela reparação e pela presença de mulheres negras em todos os espaços de poder. Nós chegamos aqui em marcha, na nossa marcha coletiva. Aqui está o Congresso do povo”.
Às 11h, as ruas de Brasília foram tomadas por 300 mil mulheres negras que saíram em marcha pela Esplanada dos Ministérios. A caminhada reuniu delegações de todos os estados, trabalhadoras, quilombolas, indígenas, jovens, artistas e lideranças comunitárias. A marcha, acompanhada por trios elétricos e carros de som, foi marcada por cantos, palavras de ordem, performances e homenagens às mulheres negras que constroem a história em todo o mundo. O trajeto expressou tanto indignação diante das violências de Estado quanto a força coletiva de um projeto político comprometido com a Reparação e Bem Viver.
Após o ato, uma comitiva de 12 representantes do Comitê Nacional da Marcha foi recebida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, em um encontro histórico. Na ocasião, a Marcha apresentou suas principais demandas institucionais, incluindo o acesso público a arquivos do Judiciário relacionados à escravidão, a criação de protocolos específicos para monitorar processos envolvendo agentes de segurança pública, a celeridade em casos de violência contra mulheres negras e seus familiares e o reconhecimento formal do projeto político defendido pelas mulheres negras organizadas.
Após ouvir as denúncias e reivindicações, o ministro Edson Fachin reconheceu a legitimidade das pautas apresentadas pela Marcha e afirmou que o país não pode adiar mais a presença de mulheres negras nos espaços de maior poder da República. “Eu espero não sair enquanto não tenha pelo menos uma juíza negra. E isso que eu estou dizendo agora eu já disse. O Brasil precisa enfrentar essa dívida”, declarou.
A programação cultural iniciou no final da tarde e seguiu até as 23h, reunindo milhares de mulheres em um grande encerramento artístico. A noite teve início com Luana Hansen, que abriu o palco com energia, contundência e um repertório marcado pela crítica social com participação de Bia Ferreira.
Em seguida, Prethaís deu continuidade à celebração, trazendo a força da música negra brasileira contemporânea. A apresentação de Célia Sampaio e Núbia emocionou o público ao mesclar ancestralidade do reggae e intensidade vocal.
Na sequência, Ebony apresentou um show vibrante, conectando a Marcha às estéticas e narrativas das juventudes negras urbanas. O encerramento ficou por conta de Larissa Luz, que interpretou o jingle oficial da Marcha, “Mete marcha, negona, rumo ao infinito”, em um momento de catarse na Esplanada dos Ministérios, em um ritual de celebração e afirmação política.
A programação construída pelas organizações que compõem a Marcha das Mulheres Negras continua nesta sexta-feira, dia 26, com uma série de atividades políticas e culturais.
Foto: Gabriel-Albernas