No Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, denunciamos a necropolítica do Estado e defendemos o Bem Viver como horizonte para uma saúde sem racismo

Por Pery Camilo / Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba

Nesta segunda-feira (27/10), Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, trazemos à reflexão uma pauta que atravessa o corpo e a vida de toda população negra: o direito à saúde. 

Criada em 2009, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) completou 16 anos em 2025. Mesmo com avanços importantes, a sua implementação ainda é insuficiente. Um levantamento do Ministério da Saúde em 2016, mostrou que 93% dos mais de 5 mil municípios brasileiros não haviam implementado a política. Para a psicóloga, mestra e doutoranda em Antropologia e coordenadora da Abayomi – Coletiva de Mulheres Negras na Paraíba, Durvalina Rodrigues, isso revela o racismo estrutural, sistêmico, institucional. “É a expressão das necropolíticas aplicadas cotidianamente contra a população negra”, destacou.

Segundo ela, não é possível falar em acesso à  saúde para à população negra, sem falar em habitação, saneamento básico, educação e ambiente saudável. “Saúde não é só ausência de doença. É também acesso aos direitos sociais, e é justamente essa ausência de acesso, somada ao racismo institucional, que adoece a população negra.”

O racismo institucional é uma das principais barreiras enfrentadas por pessoas negras no SUS, e se manifesta na forma como os corpos negros são atendidos e no tempo de espera em unidades públicas.

“Basta olhar como são as UPAs. Quem mais frequenta esses espaços é a população negra, e o atendimento, muitas vezes, é desumanizado. Uma dor aguda, uma febre, um caso de urgência não pode ser tratado com descaso. Isso não é um problema individual, é o reflexo de um Estado que naturaliza a negligência com a população negra”, destacou a psicóloga. 

Ela cita pensadores como Kabengele Munanga para explicar que “o racismo embrutece as pessoas”. “Ele embrutece porque nos nega a humanidade. O racismo institucional é essa negação cotidiana, é a barreira que impede o cuidado e o direito à vida da população negra”, reforça.

Mortalidade materna 

As desigualdades raciais em saúde se materializam também de forma cruel nos números da mortalidade materna para mulheres negras. Conforme pesquisa Nascer Brasil, da FioCruz, enquanto a taxa de morte materna entre mulheres brancas é de 46 por 100 mil nascidos vivos, entre mulheres pretas chega a mais de 100, Durvalina Rodrigues aponta o racismo obstétrico como uma das expressões mais violentas desse processo.

Nove em cada dez mortes maternas são evitáveis. E quem mais morre são as mulheres negras. Isso revela uma guerra silenciosa, uma política de morte direcionada. Quando uma mulher morre durante o parto, não é só ela que se vai: ficam os órfãos, as famílias, a comunidade…”

Segundo metas da ONU, que fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 3.1), o Brasil se comprometeu a reduzir a mortalidade materna para 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos até 2030. 

Ainda olhando para os dados, os jovens negros são as principais vítimas de homicídios, quase 77% segundo o Atlas da Violência 2025, e essa realidade também tem impacto na saúde mental das pessoas negras. “Não é diferente quando falamos da juventude negra, dos homens negros encarcerados ou mortos pela violência. O Estado tem nos imposto uma necropolítica cotidiana”.

Doença falciforme e negligência histórica

Durvalina Rodrigues também chama atenção para a anemia falciforme, a condição genética mais prevalente entre a população negra como sendo uma das mais negligenciadas pelo Sistema de Saúde.

O diagnóstico da doença já pode ser detectado no teste do pezinho, mas, muitas vezes, o resultado nem chega aos pais. Falta interesse político e estrutura para garantir uma rede de atendimento especializada. Isso é racismo estrutural. Desde o período colonial, a saúde da população negra é tratada como algo descartável”, frisou.

Ela reforça que essa omissão tem consequências diretas: “Falta formação dos profissionais de saúde, falta investimento, e falta vontade política. O racismo estrutural não se desvincula da forma como o Estado nos trata, e muitas vezes faz questão do nosso desaparecimento da terra. Mas nós seguimos resistindo.”

Encerrando a entrevista, Durvalina Rodrigues se conecta à força política da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, que acontecerá no próximo dia 25 de novembro em Brasília.

O Bem Viver propõe uma mudança de sociedade. Nós estamos dizendo ao Estado: se vocês não sabem como nos tratar, nós sabemos. E é isso que levaremos para Brasília. O Bem Viver será possível quando houver reparação histórica com o povo negro. Enquanto o racismo adoece, nós seguimos lutando. Queremos uma sociedade onde a população negra seja vista como cidadã, porque é ela quem carrega este país nas costas. E o Bem Viver é o nosso horizonte político, o nosso projeto de vida”, concluiu. 

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