25 de novembro: Um alerta contra a violência às mulheres e a desigualdade racial no Nordeste

Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher evidencia como o racismo e o patriarcado estruturam as desigualdades que afetam de forma desproporcional as mulheres negras no Brasil, especialmente no Nordeste.

O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, celebrado em 25 de novembro, é uma data para refletir sobre as profundas desigualdades de gênero e as violências que atingem milhões de mulheres no Brasil. No Nordeste, essa realidade se revela com dados alarmantes que escancaram o racismo e o machismo enraizados na sociedade brasileira.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil a cada dois segundos, as mulheres são vítimas de violência, já o Nordeste, região com maior população declarada preta do  país, é o epicentro desse problema. Entre os anos de 2020 e 2023, os registros de feminicídios aumentaram consideravelmente na região, em estados como Bahia, Pernambuco e Ceará, registrando índices alarmantes de crimes contra a mulher.

Em 2022, a Bahia liderou os índices de feminicídio no Brasil, com 181 homicídios de mulheres, e no mesmo período, Pernambuco apresentou uma taxa de 5,9 mulheres mortas a cada 100 mil habitantes. 

Segundo dados do Atlas da Violência 2020, quase 60% dos feminicídios no país afetam mulheres negras. Esses dados revelam a interseção entre a violência de gênero e o racismo, um ciclo vicioso de opressão que resulta na morte e no sofrimento das mulheres negras.

Três em cada dez mulheres nordestinas (27,04%) relataram ter vivido ao menos um episódio de violência doméstica ao longo da vida, segundo Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar realizada pela Universidade Federal do Ceará, Instituto Maria da Penha (IMP) e o Instituto de Altos Estudos de Toulouse, França.

As mulheres negras como principais vítimas

A violência de gênero no Brasil é atravessada pelo racismo. As mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio. De acordo com dados da Anistia Internacional de 2022, 62% das vítimas de feminicídio no Brasil eram negras.

A Lei do Feminicídio (2015) tipifica esse crime como hediondo, incluindo como razões a violência doméstica, o menosprezo e a discriminação à condição de mulher. Contudo, a aplicação efetiva dessa legislação ainda é um desafio, especialmente para as mulheres negras, que enfrentam descrença no sistema de justiça, racismo institucional e precariedade no acesso a serviços sociais e redes de apoio qualificadas. São mulheres que morrem mesmo tendo solicitado medidas protetivas do Estado, mas que não tiveram essa proteção assegurada.

Mulheres negras são constantemente silenciadas nas análises das estatísticas, mas seus corpos são os mais violentados. O racismo que permeia a sociedade não apenas afeta as condições de vida dessas mulheres, mas também coloca suas vidas em um estado de constante vulnerabilidade. 

Segundo Lúcia Azevedo, integrante da Rede de Mulheres Negras do Maranhão, a falta de registro adequado impede a atuação de movimentos e organizações que poderiam pressionar por mudanças reais. Ela afirma que a invisibilidade no registro dos quesitos raça/cor deixa os espaços de controle social sem ferramentas para cobrar políticas públicas eficazes. 

“Muitas vezes os espaços de controle social em que as mulheres negras incidem politicamente ficam sem condições de pressionar, de intervir, fazer incidência política sobre as políticas públicas e para que invistam em serviços, ações que possam enfrentar, de fato, efetivamente, a causa do problema, que é o racismo e o patriarcado. E precisa ser ações que dialoguem nesses dois enfrentamentos”, destaca Lúcia. 

A combinação do racismo, com a pobreza, falta de acesso à educação e saúde precária, coloca as mulheres negras em uma posição de insegurança. Nos estados do Nordeste, o sistema de justiça e as políticas públicas voltadas para o combate à violência contra a mulher falham em atender adequadamente às necessidades específicas dessa população. O que se vê é um abismo de desigualdade que silencia as vozes dessas mulheres e as deixa à mercê da violência cotidiana.

“Tem toda uma conjuntura, uma estrutura organizada para atender as mulheres. Mas a gente sabe que não supre, porque não perpassa somente por esses órgãos de atendimento à mulher. Existe uma problemática que é a violência e essa violência contra as mulheres tem sido não somente física/violência doméstica, mas tem sido estrutural, falta de emprego, saneamento básico, falta de entretenimento, de cultura, de lazer, saúde. E tudo isso gera violências”, disse Halda Regina, do Insitutito da Mulher Negra do Piauí (Ayabás). Para ela, é preciso mudar a vida econômica, social e política dessas mulheres para que se diminua a violência.

A responsabilidade da sociedade no enfrentamento da violência e o protagonismo das mulheres negras frente à luta 

O enfrentamento da violência contra a mulher é uma tarefa dos gestores públicos, dos agentes da segurança e do sistema de justiça, mas também precisa ser uma responsabilidade coletiva de toda a sociedade. As comunidades, as organizações de defesa dos direitos humanos, os movimentos feministas e os indivíduos precisam atuar em conjunto para construir uma sociedade onde as mulheres, especialmente as mulheres negras, possam viver sem medo.

É necessário que as políticas públicas sejam mais assertivas e específicas.  O Estado precisa ir além do discurso e colocar em prática medidas concretas de proteção, com investimento em mais segurança pública, criação de mais redes de apoio, mais casas de acolhimento e mais atenção psicossocial. As leis precisam ser cumpridas de maneira justa, sem que as mulheres negras e periféricas sejam mais uma vez marginalizadas ou desamparadas.

MULHERES NEGRAS DO NORDESTE EM AÇÃO 

Neste sentido, o Nordeste brasileiro é historicamente marcado pela força e resistência das mulheres negras, que, diante das múltiplas opressões, têm se organizado para transformar suas realidades. São iniciativas como o Observatório da Violência contra as Mulheres Negras do Nordeste, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, que surge como uma ferramenta estratégica para monitorar, documentar e dar visibilidade à violência vivida pelas mulheres negras da região. 

O Observatório é um instrumento importante de incidência política que subsidia ações e cobranças de políticas públicas efetivas, garantindo que a vivência das mulheres negras não seja ignorada nos debates sobre violência contra a mulher, como destacou Halda Regina, sobre a importância histórica da articulação criada em torno do dia 25 de novembro, principalmente pelo Movimento de Mulheres Negras. 

“Pesquisamos, apresentamos dados da violência, apresentamos propostas e estratégias. Temos feito o nosso papel enquanto militância, enquanto ativistas do Movimento de Mulheres Negras, para que possa diminuir essa tamanha e absurda violência que tem no Brasil e especificamente na região Nordeste. O movimento social tem feito toda essa briga, a gente sabe que os “estados” têm suas estruturas de acolhimento, de enfrentamento à violência contra a mulher, quando ele cria secretarias, organismos de política para as mulheres”, acrescentou Halda. 

Os 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres é importnate para demarcar a Jornada pela Vida das Mulheres Negras, que este ano acontece de 21 a 30 de novembro em todos os estados do Nordeste. Nossa articulação reúne movimentos sociais, organizações e lideranças comunitárias negras em um esforço coletivo para chamar a atenção da sociedade para a urgência das violências enfrentadas pela população negra. 

“Para nós, mulheres negras, a campanha de ativismo, ela também tem esse recorte e a gente traz esse olhar para chamar a atenção da sociedade, das instituições públicas, dos governos, de que as mulheres negras são as que mais sofrem a violência de gênero, principalmente o feminicídio. Para demarcar essa agenda política, a gente também traz a jornada pelo fim da violência contra as mulheres negras no Nordeste; dialogamos com esses organismos, chamamos a atenção da sociedade através da mobilização social, para que a gente possa fazer a incidência política também sobre essa violência de gênero, também tendo como pano de fundo racismo estrutural”, frisou Lúcia Azevedo. 

A sociedade também deve quebrar o silêncio e se tornar protagonista no enfrentamento da violência. O machismo e o racismo são as duas faces perversas da opressão, e só com a conscientização e o engajamento de todos será possível reduzir, ou quem sabe erradicar, os índices de violência que assombram as mulheres negras no Nordeste. A responsabilidade é de todos. Não podemos mais aceitar que vidas de mulheres sejam ceifadas por uma cultura de violência machista e racista. 

Por uma sociedade mais justa e sem violência contra nós! Juntas pela justiça. Juntas pela vida das mulheres negras!

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