No Brasil, o aborto é legal em três casos previstos por lei: quando envolve gravidez decorrente de estupro, anencefalia do feto ou quando provoca risco à vida da mulher, além disso, deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, as mulheres de Maceió, capital de Alagoas, estão tendo esse direito ameaçado após uma lei ser aprovada na Câmara de Vereadores. De autoria do parlamentar Leonardo Dias (PL-AL), o Projeto de Lei (PL) obriga estabelecimentos da rede municipal de saúde a mostrarem vídeos do procedimento abortivo às mulheres antes de realizarem o método, bem como apresentarem “consequências” do procedimento com o explícito objetivo de interferir na decisão da paciente. Depois de aprovado, o PL seguiu para o Poder Executivo e corre o risco de ser sancionado pela Prefeitura de Maceió.
A Rede de Mulheres Negras do Nordeste vem a público se posicionar contra a iniciativa inconstitucional encabeçada pelo vereador Leonardo Dias, que impulsiona um discurso violento de criminalização de práticas abortivas que já são garantidas por lei. Somos contra todos os tipos de mordaças que impedem a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos de nós, mulheres, e que interferem na liberdade de nossos corpos.
Além disso, o PL também defende que seja informado a quem buscar o procedimento abortivo nas unidades de saúde “sobre a possibilidade de adoção pós-parto e apresentar os programas de adoção que acolhem recém-nascidos”, diz trecho do documento, que, “por si só, já é uma violência”, como frisa Emanuelle Góes, doutora em Saúde Pública e colaboradora do Observatório da Justiça Reprodutiva no Nordeste, projeto vinculado ao Odara – Instituto da Mulher Negra.
“Esse Projeto de Lei infringe totalmente os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. O Brasil tem se comprometido com documentos internacionais e nacionais constitucionais voltados à agenda do enfrentamento às violências contra essas cidadãs”, informa Emanuelle. “Mas esse PL aprovado em Maceió vai em movimento contrário a tudo isso. Ele não pode ser sancionado”.
Reiterando o seu teor de descompromisso com o bem-estar das mulheres, o PL afirma que quem realiza o aborto torna-se mais propensa ao uso exacerbado de drogas. “São informações inverídicas baseadas em fakenews. Tudo isso está baseado em um posicionamento moral, racista e patriarcal, não tem nada a ver com evidências científicas”, continua Emanuelle.
Projeto de Lei
O Projeto de Lei foi aprovado por maioria absoluta em fevereiro de 2023, o que aponta o teor conservador da Casa Legislativa, que é composta por 25 vereadores/as, desse total apenas quatro são mulheres. Dos 23 parlamentares presentes na sessão que discutia o Projeto na Câmara, somente a vereadora Teca Nelma (PSD-AL) se absteve, sendo, portanto, o texto aprovado por 22 vereadores, em sua maioria homens brancos. Os ausentes eram os vereadores Marcelo Palmeira (Podemos-AL) e Luciano Marinho (MDB-AL).
Após a aprovação, o PL seguiu para o Poder Executivo e corre o risco de ser sancionado pelo prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL-AL). Vale lembrar que Leonardo Dias é líder do Partido Liberal (PL) na Câmara de Maceió, sigla na qual Caldas também é filiado. O PL – que também é o partido do ex-presidente da República Jair Bolsonaro – é conhecido por atuar em defesa de pautas que ferem os Direitos Humanos. Em 2020, durante sua gestão, Bolsonaro tomou algumas decisões nesse sentido ao assinar declaração, junto a outros 30 países, que passou a incluir o Brasil em aliança internacional antiaborto, e a portaria GM/MS nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, que permitia, por exemplo, médicos informarem a prática do aborto à polícia. Ambas medidas foram revogadas pelo governo Lula.
Dessa forma, nos deparamos com episódios bastante comuns no Brasil em que pautas importantes à vida das mulheres são negociadas e decididas por homens explicitamente alheios aos nossos direitos. Buscando fortalecer às lutas pela garantia dos direitos, autonomia e liberbade do povo negro no Brasil – protagonizado pelas mulheres negras, no mês que marca a 5ª edição do Março de Lutas, nós, enquanto Rede de Mulheres Negras do Nordeste, repudiamos o PL aprovado na Câmara Municipal de Maceió, que age contra a vida das mulheres, principalmente negras.
No Brasil, mesmo nos casos previstos por lei, muitas mulheres que procuram o SUS para realizarem um aborto legal sofrem discriminação, o que leva muitas delas buscarem métodos inseguros e ilegais, elevando o índice de mortes maternas, cenário que afasta o Brasil de meta estabelecida pela ONU (Organizaçao das Nações Unidas).
“Olhando pela lente da justiça reprodutiva, a gente vai ter um adensamento das violências nesse caso porque as meninas/mulheres negras já estão em uma situação de desvantagem causada pelo racismo institucional na procura por esses serviços, seja para parir ou abortar”, explica Emanuelle Góes, que também integra a coordenação científica da Associação de pesquisa Iyaleta – Pesquisa, Ciências e Humanidades. “Isso faz com que as mulheres, principalmente mulheres negras, não procurem o serviço de saúde para realizar o aborto nos casos em que essa é uma garantia legal. Com isso, ela termina seguindo o percurso do aborto clandestino que, em geral, é inseguro”, completa Emanuelle reforçando a importância da discriminalização do aborto no Brasil, sendo, portanto, o PL aprovado na Câmara de Maceió um retrocesso para a luta dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Tendo em vista o dever do Poder Legislativo em atuar na defesa dos direitos que garantam o bem-estar da população, nos unimos ao coro de vozes que exigem proteção aos direitos das mulheres. Portanto, convocamos a Prefeitura de Maceió, na pessoa do prefeito João Henrique Caldas, a rejeitar o Projeto de Lei de autoria do vereador Leonardo Dias, aprovado na Câmara Municipal da cidade, em respeito ao que já é garantido pela legislação brasileira e em defesa da vida das mulheres maceioenses.